26/09/2013

O Relógio

 

Tic-tac faz o barulho do relógio na parede.
É quase inaudível. Um barulho leve, que escuto no fundo da minha cabeça. É irritante e constante, e eu só o escuto graças ao profundo silêncio que veio quando você deixou o cômodo. Observo o vídeo-game que jogávamos, que você pausou as pressas ao anunciar que estava com fome.
Poc-poc faz o barulho da pipoca dançando na panela.
Viro-me no sofá e consigo ver suas costas, depois da bancada da cozinha. Seus cabelos loiros brilham, mesmo sob a fraca luz do lugar. Vou ser honesta: você parece um anjo. Um anjo imperfeito, desengonçado e com as costas levemente encurvadas, mas ainda assim um anjo.
Tap-tap faz o barulho de seu tênis sob o chão de madeira.
Você aparece na soleira da porta, com um enorme sorriso e os óculos tortos equilibrados na ponta de seu nariz. Em suas mãos, um grande pote de pipoca para dividirmos. Você se senta ao meu lado, e eu analiso aquele sorriso torto. Começo a contar seus dentes, e acabo rindo de tão tolo que é isso. Você franze a testa e pergunta com um tom risonho o que foi.
Bum-bum faz o barulho do meu coração martelando no meu peito.
Mexo desconfortavelmente no sofá. Digo que não é nada, e você dá de ombros. Começamos a comer, nossas mãos se tocando ocasionalmente por acidente, me causando arrepios. Seu toque é macio e gentil, e cada lugar da minha mão que encontra de surpresa com a sua queima.
Clop-clop faz o barulho da minha língua estalando, desejando encontrar-se com a sua.
Cansada de fingir, coloco a pipoca de lado. Você parece confuso, e olho dentro de seus lindos olhos cor de pôr-do-sol e digo-lhe o que verdadeiramente sinto, tudo aquilo que estava escondido dentro do meu coração. Você parece surpreso e se cala por um tempo. Sinto-me uma estúpida e começo a abrir a boca para inventar qualquer desculpa esfarrapada para sair dali, com lágrimas queimando meus olhos. Então, sem mais nem menos você aproveita esse pequeno vão em minha boca para encaixar seus lábios lá. Nem ao menos hesito antes de passar meus braços ao redor de seu pescoço, unindo nossos corpos e retribuindo seu beijo.

Tic-tac, assim como o barulho do relógio, é o nosso amor: perfeitamente sincronizado, com um completando o outro.

Receita para Amar



Abro aquele livrinho de receitas que fica pegando poeira na estante. Folheio-o todo, de trás pra frente e de frente para trás. Não encontro o que procurava. Entro no computador e digito na caixinha de pesquisa do Google: “receita para o amor perfeito”. Acho mil resultados, mas nenhum informava aquilo que eu realmente queria. Fico frustrada. O que fazer? Vale a pena arriscar?
Pego meus sentimentos e jogo em potes. Junto-os com esperança e sonhos, sempre exagerando na dosagem. Misturo tudo e coloco naquele forninho chamado coração para ver se cresce. E como cresceu! Enfeitei tudo com rímel, um vestido rodado, saltos não tão altos e muitos sorrisos.
Não sou o tipo de pessoa que se contenta com pouco, então me entrego completamente e de bandeja, com direito ao suco de sua preferência de acompanhamento. Hora de experimentar. Seja meu degustador. Experimente-me, me sinta, me use. Ficou bom? Coloquei açúcar demais? Você hesita, e lavo o excesso da receita com lágrimas. Você resolve dar outra mordida para ver se não julgou mal.
Você dá uma pequena provada, e eu me irrito. Me pegue pela cintura. Coloque meus braços ao redor de seu pescoço. Prove direito! Essa é a minha receita de amor. Ficou bom?
O que é amor, afinal? Eu não sei. Mas eu o sinto. Nesse momento, eu sou o amor, e você também. Pegue um pedaço maior. Se acabar, cozinho tudo de novo. Faria tudo outra vez por você, mas jogue seus sentimentos naquele pote também.

Quer saber? Jogue essa massa fora. O bom mesmo é viver sem receita. Então vamos, segure minha mão. Transforme aquele “eu” em “nós. Diga que você é meu, e serei sua. Se jogue. Só não me deixe, por favor. Não conheço – e nem quero conhecer – a receita para o desapego.

15/09/2013

(Não um) Conto de fadas



            Era uma vez um garoto.
Ele tinha olhos castanhos e cabelos escuros que lhe caíam ao rosto. Carregava seu violão para todos os lugares, encantando a todos com sua voz de anjo. Possuía uma sede insaciável de livros, e devorava todos que tinha a sua disposição. Tinha um rosto escultural, que fazia com que várias garotas se encantassem com ele – mas ele não queria nenhuma delas. Seus olhares vazios, rostos cobertos por maquiagem e saias curtas não o atraíam. Ele gostava de bandas de rock e de observar os pássaros. Gostava de história e matemática, e esperava um dia encontrar a garota certa.
Era uma vez uma garota.
Ela tinha cabelos ondulados que lambiam sua cintura, e um sorriso que iluminava até mesmo a rua mais escura. Com seus olhos verdes e madeixas loiras, todos esperavam que ela fosse mais uma mulher de cabeça vazia e copos cheios, mas ela não era.  Lia com vigor todos os livros que conseguia colocar as mãos. Amava seus amigos, e adorava abraçar as pessoas. Ela gostava de música pop e de contar as estrelas no céu. Gostava de português e artes, e sonhava em um dia escrever best-sellers. Cantava para a lua com sua voz desafinada todas as noites, pedindo que trouxesse a ela alguém que ela ame a vida toda. Arranjou um namorado e o amou por bastante tempo. Ela era feliz.
Era uma vez um garoto e uma garota.
Eles se encontraram por acaso. Trocaram olhares no corredor da escola, e como toda garota, ela ficou fascinada com ele. Desejava ouvir sua voz angelical de perto, e abraçar-lhe com toda sua força. Ele não tinha muitos amigos, e era bem perceptível que ele era uma pessoa muito tímida. Ela achou isso adorável. O namorado dela não gostou quando ela contou-lhe sobre o menino misterioso de seu corredor.
Ela não sabia muito sobre ele, e vice versa. Os olhos dele eram um mistério, e ela adorava contemplá-los. O que será que se passa na sua cabeça? Do que será que ele gosta? Ele percebeu que a garota o observava, e começou a olhá-la também. A troca de olhares a deixava louca. Quem era aquele menino misterioso?
O desejo de conversar com o garoto misterioso só aumentava. Ela teve vários sonhos em que criava coragem e conversava com ele, e em um deles ela o beijou. Ela acordou em prantos, e nunca contou a ninguém os sentimentos que supria pelo garoto. O que ela não sabia era que o garoto também gostava dela.
Eles entraram de férias, e ela não o viu por bastante tempo. A garota decidiu que não alimentaria esse amor platônico besta, e passou a sair mais com o seu namorado. Cada vez que se beijavam ela lembrava de seus sonhos com o garoto do corredor, e chorava quando voltava para casa. O garoto, em sua casa, cantava canções dedicadas a ela, que a garota nunca chegaria a ouvir. Quando as aulas retornaram, a garota não mais olhava para o garoto – havia decidido o esquecer. O garoto desistiu de seu amor, sem nem mesmo tentar nada com ela. Ela tinha namorado, de qualquer forma.
Era uma vez um amor que tinha tudo para dar certo, mas que nunca teve a chance de acontecer. Era uma vez o casal perfeito que nunca se reuniu.
Era uma vez o mundo real.

27/05/2013

O Pequeno Pássaro



Era uma vez um pequeno pássaro, que voava alegremente pelos céus todos os dias. Ele cantava todas as manhãs, e despedia-se das estrelas todas as noites com promessas de que voltaria para concertar a elas no dia seguinte.
Um dia, outros pássaros apareceram no céu. Eles carregavam as mais variadas cores em suas penas, enquanto o pequeno pássaro era pintado apenas de branco. Os outros pássaros tinham vozes melhores e se davam muito bem. O pequeno pássaro cantou com alguns deles, e até se apaixonou por alguns, porém eles sempre iam embora, e o pequeno pássaro acabava cantando sozinho todas as noites.
Dias e dias se passaram, e pássaros das mais variadas cores apareceram no azul céu que o pequeno pássaro costumava brincar. Eles desfilavam com suas magníficas cores todas as manhãs, e cantavam para as estrelas a noite. O pequeno pássaro ficava em um canto, murmurando suas canções e lamentos a estrelas que já não se interessavam tanto por sua voz.
O pequeno pássaro invejava as belas cores de seus companheiros, e se entristecia ao ouvir suas suaves vozes, mesmo quando eles as utilizavam para elogiá-lo. O pequeno pássaro não conseguia acreditar que os outros o achavam belo e talentoso, pois reconhecia que havia outros pássaros bem melhores que ele.
Gradualmente, o pequeno pássaro branco adquiriu algumas penas pretas, o que tornou difícil para ele voar. A cor preta pesava no pequeno pássaro, e os pássaros coloridos comentavam sua mudança com pesar. Eles pensavam que o pequeno pássaro branco estava tentando ser como eles, e cantaram essa noite às estrelas sobre como suas cores neutras desagradavam a eles. O pequeno pássaro preto-e-branco escondeu-se em seu ninho nas nuvens, e cantou tristemente sobre como queria apenas ser aceito.
O pequeno pássaro deixou de ser branco com o tempo, e passou a ser somente preto. Ele já não conseguia mais voar, e os pássaros coloridos caçoavam de sua falta de habilidade. O pequeno pássaro, cansado de tentar inutilmente agradar aos pássaros coloridos, desceu de seu ninho e pulou para fora da nuvem. Como não conseguia voar devido ao peso de suas asas negras, caiu por um bom tempo até atingir o chão. O pequeno pássaro tornou-se preto e vermelho, e nunca mais cantou para as estrelas a noite.

Recomeçando


Olá, leitores.

Como vocês podem perceber, o blog passou por uma mudança radical. Chegou uma hora em que blogar não parecia mais tão divertido, e sentia como se fosse uma obrigação. Como tudo o que fazemos à força cansa, me afastei do blog por um bom tempo.
Acabei por sentir falta da blogosfera, portanto resolvi voltar e recomeçar o blog. Desta vez não haverão obrigações nem afiliados: eu postarei quando tiver tempo, e somente coisas de meu interesse. Como podem ver, deletei todos os antigos posts, pois de agora em diante seguirei um padrão diferente aqui no blog. Até o nome mudou: troquei de Not That Wonderland para Pequeno Pássaro. Aos curiosos que gostariam de saber o por quê: escrevi um texto recentemente (que irei postar no blog em um minuto) e senti falta de postar o que escrevia no blog. Ele foi o motivo de eu ter dado uma outra chance a blogosfera, e resolvi dedicar o nome do blog a esse texto.
Não vou ter temas previstos de postagem (do tipo "segunda eu posto tutoriais, terça posto goodies, etc), mas já vou avisá-los que postarei majoritariamente textos (escritos por mim ou não) e resenhas de livros. Claro que haverão matérias sobre outros assuntos, porém vamos dar um passo por vez, e com calma.
Obrigada por estarem aqui comigo na reabertura do blog! Prometo postar com mais frequência e tentar satisfazê-los cada vez mais.

Com carinho,

Giovanna